sábado, 24 de janeiro de 2009

Muito barulho por nada

Sim, eu estou viva!

E após um largo período de abandono, por diversos motivos que contemplam desde a falta de tempo até a falta de saco, cá estamos nós novamente, desejando que o querido blog não se encontre em tal situação outra vez...

Antes que a nova ortografia da língua portuguesa completasse um mês de existência oficial, tomei vergonha na cara e decidi, como boa profissional na área, meter o bedelho no assunto que está tão em voga, afinal, como dizia a célebre MC Tati Quebra-Barraco, eu sou feia mas tô na moda.

Pois é, há muito se vinha discutindo a importância de se unificar essa língua, falada por países de diversos continentes e com significativos abismos culturais. Uma das maiores justificativas era o fato de se tratar da única língua a possuir mais de uma ortografia oficializada, mesmo sendo todos os países ex-colônias de um único, ora pois, Portugal.

Então eis que assim foi feito: Portugal, Brasil, Cabo Verde, Moçambique, Angola e mais alguns outros países cujos nomes não me vêm à cabeça agora passaram a ter um idioma oficial com a tão desejada ortografia unificada. É claro que o assunto gerou controvérsias, e até hoje linguistas (sim, sem trema) divergem ao opinar sobre o caso.

Para justificar, o professor Assis Brasil usou como exemplo, em uma palestra organizada pela FALE no ano passado, a escala musical criada por J. S. Bach. Argumentou que, antes da escala, as notas musicais dispunham-se de forma aleatória, causando inúmeros desentendimentos entre os músicos na composição ou na execução de determinada peça. A escala, criticada no começo, serviu para tornar padronizada uma sequência (sem trema!) de notas que, hoje, parecem inconcebíveis vir em outra ordem que não dó-ré-mi-fá-sol-lá-si. Ok, uma boa metáfora, professor, mas talvez não muito adequada, já que existem dois sistemas linguísticos bastante distintos, conhecidos por aberto e fechado.

O negócio funciona mais ou menos assim: o sistema aberto diz respeito ao vocabulário de uma língua. Todos os dias nós inventamos palavras, criamos novos verbos, atribuímos novos significados a palavras já existentes (aqui no Sul, por exemplo, criaram o verbo "chinelear", que é a ação praticada por pessoas "chinelonas", ou seja, pobres, numa errônea associação do chinelo à classe baixa... a palavra "sinistro" hoje possui uma acepção muito diferente da dicionarizada, e por aí vai...) e esse sistema é totalmente renovável e relativo à cultura na qual está inserido. Exemplo maior é a importação de palavras estrangeiras que muitas vezes aportuguesamos e incorporamos ao nosso vocabulário. O sistema fechado é mais complicado: significa a estrutura de uma língua. Por mais que inventemos, incorporemos ou alteremos palavras, a estrutura da língua permanecerá sempre intacta. Na frase "Eu tomo uma coca-cola e ela pensa em casamento", não seria possível inverter a ordem de determinadas palavras, senão a frase perderia seu sentido. Ninguém nunca poderá "inventar" algo como "pensa coca-cola em tomo ela casamento eu uma e", senão ninguém entende e assim não há comunicação. Só se forem os dadaístas.

Voltando à metáfora do professor, a estrutura de nossa língua, seja aqui, seja além-mar, é a mesma. Existe a padronização, de ordem sintática, que nos possibilita entendimento com qualquer falante dela.

Muitos teóricos a favor do acordo usam a justificativa da "necessidade de entendimento" entre as nações. Ora, sempre se leu Saramago e Pepetela por aqui e eles nunca foram incompreendidos por usarem "facto" em vez de "fato". Ao longo de séculos e mais séculos o Brasil desenvolveu sua própria linguagem, com seus próprios léxicos, e nem por isso houve qualquer falha de comunicação entre colônia e colonizador e, posteriormente, entre um país e outro.
Definitivamente, essa história não cola, pessoal.

Quando as pessoas que eram contra o acordo argumentaram que isso poderia acarretar a falta de identidade linguística dos respectivos países, os teóricos pró-acordo disseram que não, não se afobem não, que cada particularidade será mantida, porque a língua não se delimita apenas em seu léxico, sendo que até o raciocínio de cada nação é diferente. Os portugueses não compreendem ambiguidades, discursos implícitos, e isso será sempre uma peculiaridade daquele povo. Além do mais, abismos ainda existirão: se dissermos, em Lisboa, que Ronaldinho pegou uma bicha, eles não verão problema, por mais católicos ortodoxos que sejam. Se um português pedir um durex em farmácia brasileira, indicar-lhe-ão uma papelaria.

Em suma: haverá um prejuízo editorial inestimável com investimentos em revisões ortográficas, novas impressões; possuidores de bibliotecas terão a impressão de portarem elementos obsoletos e, no fim das contas, todos os propósitos apresentados por aqueles que estão de acordo com o acordo (hohoho, que tiradinha genial), serão um pouquinho deslocados, porém sem ter os objetivos alcançados. Brasil, Portugal, Moçambique, Angola, São Tomé e Príncipe e todos aqueles nossos amigos continuarão falando a língua portuguesa adequada a sua própria cultura, inclusive em documentos oficiais, gerando os mesmos pequenos equívocos que nunca impediram a livre comunicação entre si.

Houve uma movimentação considerável para que, em termos pragmáticos, fosse trocada, como dizia Pessoa, a distinção entre nada e coisa nenhuma.