sexta-feira, 27 de março de 2009

Filosofia
(Noel Rosa)

O mundo me condena, e ninguém tem pena
Falando sempre mal do meu nome
Deixando de saber se eu vou morrer de sede
Ou se vou morrer de fome
Mas a filosofia hoje me auxilia
A viver indiferente assim
Nesta prontidão sem fim
Vou fingindo que sou rico
Pra ninguém zombar de mim

Não me incomodo que você me diga
Que a sociedade é minha inimiga
Pois cantando neste mundo
Vivo escravo do meu samba, muito embora vagabundo

Quanto a você da aristocracia
Que tem dinheiro, mas não compra alegria
Há de viver eternamente
Sendo escrava dessa gente
Que cultiva hipocrisia

segunda-feira, 23 de março de 2009

As pessoas e as coisas (papo Ouro de Tolo)

Dia desses estava conversando com o Guga sobre as pessoas mais inteligentes que conhecíamos. O diálogo acabou sendo direcionado a outro foco, já que houve uma pequena indefinição no que dizia respeito ao significado da palavra “inteligência”. Afinal, quais seriam os pré-requisitos para a constituição desta qualidade em uma pessoa? Procurei no dicionário, e a segunda acepção dizia o seguinte: “conjunto de funções psíquicas e psicofisiológicas que contribuem para o conhecimento, para a compreensão da natureza das coisas e do significado dos fatos” (nosso grande amigo poderoso salve-salve Houaiss).

Pensamos em alguns conhecidos que considerávamos inteligentes e nos respectivos atributos que nos faziam de tal forma classificá-los. As respostas foram das mais variadas, passando por desde o conhecimento profundo acerca das artes até a capacidade de se utilizar das experiências de vida para a melhoria das conjunturas ao seu redor. No fim das contas acabamos dividindo as pessoas inteligentes em duas categorias: as pessoas e as coisas.

Quando eu era nova, idealizei o conhecimento intelectual como um meio de ampliar a concepção do mundo e da vida, como um método de despimento de preconceitos e de sentimentos vãos destinados apenas aos ignorantes. Eu queria ser culta pra ser uma pessoa melhor. Pura ingenuidade. Ao longo desta minha extensa e farta vida que me torna uma quase senhora, fatigada e marcada com os traços do tempo, deparei-me com uma porção de criaturas repletas de conhecimentos em artes, história, política, filosofia etc, porém cujo nível de humanização não chegava nem a um por cento do meu vizinho analfabeto. Aí encontrei também no dicionário uma acepção kantiana bem interessante para a palavra “pessoa”. Diz que se trata do “ser humano considerado como um fim em si mesmo, e por esta razão apresentando um valor absoluto, em oposição a coisas e objetos inanimados, nada além do que meios ou instrumentos, e portanto com um valor relativo”. Era isso. O que define uma pessoa de uma coisa é justamente a capacidade de diferenciar-se de um objeto inanimado, capaz apenas de processar e de reproduzir uma profusão de dados.

Às vezes eu encontro uns determinados indivíduos que se perderam nas contas sobre clássicos lidos, idiomas falados, museus visitados, filmes assistidos, poemas decorados e certificados pendurados na parede, que, todavia, não conseguem ter respeito pelo seu próximo, que são incapazes de interagir com o mundo à sua volta, que não têm gosto ou desgosto, que reuniram essa porção de erudição em suas mentes para... para quê? Não sei. Para enriquecer o currículo, talvez. Mas e então? Pois é. Pra mais nada.

Aí a gente pára e pensa como é bom que nem todas as coisas que almejamos na juventude tenham se concretizado... Eu abriria mão de todos os meus conhecimentos, ainda que poucos, para continuar sendo "pessoa". Mas eu nem precisaria, modéstia à parte, pois sou pessoa, e pessoa pracarái.