quinta-feira, 16 de maio de 2013

Os nossos direitos humanos de cada dia

Toda essa polêmica em torno da eleição do pastor Marco Feliciano para a Comissão de Direitos Humanos deixou à mostra a capacidade de engajamento e a sensibilidade da população quando o assunto são as minorias, a opressão social, o racismo e todos os preconceitos que infelizmente ainda assolam nossa sociedade. Não estão sendo poucas as manifestações nas ruas, nas redes sociais, nas conversas rotineiras. É muito bonito e fico realmente feliz em ver que ainda existe uma geração consciente e capaz de se mobilizar pelas causas dos próximos. Sobretudo neste caso, quando se trata de um indivíduo que representa qualquer coisa de abominável e nada de direitos humanos.

O que me inquieta um pouco é justamente o paradoxo dessas sensibilidade e consciência. Um dia desses, eu estava indo comprar uma cômoda na Casas Bahia, em uma filial bem grande, e, assim que entrei, percebi que a loja, embora cheia, estava silenciosa, só sendo possível escutar a voz agressiva e bem alta de uma mulher, nos fundos. Chegando lá, vi que era uma cliente descontrolada chamando, aos berros, a funcionária -- que estava sentada àquelas mesas individuais onde os atendentes fazem de pesquisas -- de incompetente, burra, desqualificada etc. Uma cena estarrecedora. A cliente, chorando, tentava explicar que o sistema estava fora do ar e não era possível verificar o preço e o estoque de um móvel. Sem escutar, a cliente continuava gritando e humilhando a mulher da forma mais baixa, grosseira e vil.

Não sei há quanto tempo a situação já durava, mas presenciei uns bons dez minutos. Tratava-se de um explícito caso de constrangimento, difamação, assédio moral. O curioso é que as pessoas ao redor nada faziam: ficavam olhando, por vezes cochichando, por vezes rindo aos cantos. Um bafão, vejam! Não sei se por eu ter sofrido algo semelhante recentemente, eu e o Guga decidimos chegar perto da funcionária e entregar um papel com nosso telefone. Dissemos que estaríamos dispostos a ser testemunhas de que ela sofrera humilhação pública no caso de a empresa querer prejudicá-la de alguma forma. A tal da cliente estava tão furiosa que sequer nos viu fazendo tudo isso. (Claro, fomos convidados a nos retirar da loja e depois compramos uma cômoda artesanal bem mais bonita.)

No final a mulher não ligou e tudo deve ter ficado por isso mesmo. Esse fato me faz questionar nosso "senso social" e a hipersensibilidade que temos em relação aos líderes políticos, às tribos desalojadas, aos grupos sociais que diariamente aparecem nos jornais sendo vítimas de agressão, assassinato, humilhação e opressão, sob justificativas sociais, religiosas ou desculpa nenhuma. É realmente revoltante e deprimente o que acontece. Mas o que se passa à nossa volta? Não temos coragem de interpelar um caso de assédio moral em público, de olhar nos olhos daquele que nos pede uma moeda na rua, de oferecer ajuda a um desconhecido. Seja por precaução, por vergonha ou por simplesmente nem perceber, negamos diariamente uma parte do nosso exercício de direitos humanos e talvez a culpa seja bastante minimizada pelo fato de cada ato desses não se encontrar em uma cartilha universal.

Eu estou na luta, e quase de luto, pelos direitos humanos. Não (somente) por causa do pastor execrável, mas pela parcela maior deste exercício, vertical, que não é cumprida. Aliás, a parcela que faz urgir a necessidade de se criar esta comissão...