domingo, 29 de julho de 2012

O sentimento por inteiro de uma beleza


Hoje, no dia 29 de julho, não estamos próximos a nenhuma data significativa para a cidade do Rio de Janeiro. Já passamos do dia de são Sebastião, do aniversário da cidade, do dia de são Jorge também. No entanto, foi neste domingo, um domingo qualquer, que pairaram sobre mim algumas reflexões simplórias sobre morar aqui, sobre o sentimento honesto e sincero de ser carioca. E nada como um dia sem relevância pra escrever sobre um sentimento.

Como um exemplo da cidade cosmopolita, caótica, maravilhosa e pluritudo, sou uma carioca da gema. Carioca nascida em Salvador. Fui direto da Rodoviária Novo Rio para a casa da minha avó, em Realengo. Das memórias distantes de uma menina com seis anos de idade, guardo poucas coisas, mas muito imagéticas e felizes. Algumas tardes montando pipa com meu pai, colando rabiola, tentando empiná-la sem muito sucesso; algumas quedas de bicicleta pelas ruas de Realengo, com pausas pra beber guaraná Pakera em vendinhas de outras ruelas; vôlei e queimado com vizinhos; madrugadas chuvosas que inundavam a casa da minha avó; algumas 18h em ponto em que eu rezava a ave-maria com ela e que a emocionam até hoje, e por aí vai.

E ao longo dos anos, conforme a gente vai crescendo, nossos horizontes se ampliam também: explora-se mais Realengo, depois a Zona Oeste, depois o subúrbio, depois a cidade inteira. E aquele sentimento de pertencimento ao lugar, de bom filho que, mesmo indo, um dia à casa torna.

Toda essa nostalgia veio por causa da tarde de ontem: tive a oportunidade de passar algumas horas com uma pessoa cuja presença não era das mais agradáveis e que, por alguns momentos, pensei ter me dado o desprazer de estar ao seu lado. Logo depois percebi o quão positiva poderiam ser suas afirmações, visto que podemos sempre refletir e tirar proveito com o mínimo de sabedoria sobre as situações. E da porção de disparates que a pessoa declarou, veio um clichê que por fora me fez rir mas na verdade deu uma vontadinha de chorar: "Não existe Rio de Janeiro depois do Rebouças".

Sempre ouço o diacho dessa frase. Há pouco tempo, a cidade foi declarada patrimônio mundial da humanidade e não faltam vídeos que mostrem as belezas das praias, das mulheres, da natureza etc. Copacabana, Ipanema, Leblon, quando muito, ousadamente a Lapa. Sempre me inquieta pensar que ilustra a cidade uma média de vinte bairros sendo que na realidade ela é composta, por alto, por em média uma centena. Uma centena ignorada que, entretanto, possui uma beleza, infelizmente desconhecida por muitos.

Muitas pessoas vão dizer que o tratamento dado às zonas Norte e Oeste não se equipara ao dado à Zona Sul. A discrepância entre os projetos urbanísticos é notável, bem como outras questões de infraestrutura que não cabe discutir agora. Mas não me refiro à beleza óbvia pela qual todos esperam – as pedrinhas da calçada que estão no lugar, os coqueiros enfileirados, o padrão arquitetônico e a gradação melanínica de seus habitantes, esta última de suma relevância pra muita gente –, e sim a uma representação cultural que existe e de fato é aquela que compõe a identidade do subúrbio, muitas vezes abstrata, muitas vezes subjetiva, mas visível. É na arquitetura desajeitada das casas que compõem uma unidade inconfundível, nas peladas em quadras descampadas, nos jogos do bicho em mesinhas esquinas afora, nos coretos de carnaval, nas pracinhas ao lado das escolas e nas calçadas ocupadas por cadeiras de praia que habita uma beleza que poucos perceberão, porque demandam uma percepção humana. Não apenas uma percepção memorialística, mas sensível. É nesta beleza que habita a encantadora alma das ruas.

No fim das contas, essa pessoa me fez ao menos perceber – mais uma vez – o quão feliz e orgulhosa sou por ser suburbana, por conseguir abraçar a beleza do Arpoador com a mesma intensidade que abraço a beleza da avenida Cônego de Vasconcelos. Realmente, pra ela, o Rio de Janeiro não passará nunca do Rebouças. Porque mundo tem o tamanho que a gente quer.

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